domingo, 11 de janeiro de 2015

Visconde de Vilarinho de São Romão

António Lobo Barbosa Teixeira Ferreira Girão (1785 — 1863)





das Histórias de meninos para quem não for criança.

domingo, 4 de janeiro de 2015

R. Manso

R. Manso era pseudônimo de Augusto Mario Caldeira Brant (1876-1968).

ETIQUETA EXEMPLIFICADA

Um cavalheiro educado nunca introduz o indicador no nariz, em presença de outras pessoas. É o cúmulo da incivilidade. Essa operação se deve executar com o dedo mínimo.
(Do Manual de Bom-tom, de João Crispim)


Nós não possuímos ainda civilização. A fórmula do Binóculo “o Rio civiliza-se” é uma transação entre a realidade que vemos, e a esperança que alimentamos. Da fusão dos rudes navegantes lusitanos com os índios descerimoniosos saiu uma raça que ainda cospe nos tapetes, depois de quatrocentos anos de refinação. Para quem apelar? Para o Bispo do Pará e a baronesa de Stapfler (ignoro se a ortografia está correta, porque meu conhecimento com essa senhora é muito superficial). Hoje o recurso é o Binóculo da Gazeta que ensina muitas coisas úteis e do qual aproveitam principalmente os que se riem dele. A um rapaz que zombava do Binóculo vi eu uma vez em apuros, a preparar-se para um enterro oficial.
– Eu daria agora cinqüenta mil-réis por uma coleção do Binóculo! disse ele passando a escova na casaca.
– Para que? perguntei.
– Para saber se devo pôr gravata branca ou preta...
Eu o tirei do embaraço. Aconselhei-o que pusesse gravata vermelha e que não risse mais do Binóculo.
Apesar da seção de Figueiredo Pimentel ser muito útil, seus conselhos são às vezes deficientes e incompletos, como aconteceu ontem nas suas admoestações sobre as visitas. Pedimos permissão para completá-las e exemplificá-las.
Diz o Binóculo que, quando estivermos fazendo uma visita,
“Se virmos o dono da casa mostrar-se impaciente, consultar o relógio, não progredir na conversação, tirar um papel do bolso, procurar qualquer coisa na secretária, fazer girar os polegares em volta um do outro, ter um ar distraído, bater o compasso no chão com o calcanhar, etc., etc., tratemos de nos retirar quanto antes, mesmo que lá estejamos a apenas cinco minutos”.
Esta enumeração dos gestos do dono da casa que devem acarretar a retirada do visitante é incompleta. É feita apenas exempli causa e não taxationis causa; é uma simples exemplificação. Além dos oito citados, há mais cinqüenta e nove, entre atos e acenos do visitado, que levam uma pessoa de educação a retirar-se espontaneamente. Mencionemos alguns. Se o dono da casa conduzir o visitante à porta e, com o braço horizontal e o indicador estendido apontar-lhe a rua, este (o visitante, não o braço) deve alongar a visita? Parece que não. O mesmo procedimento deve ele ter, se a vítima atirar um punhado de sal ao fogo, apagar as luzes, dormir na cadeira, entregar-lhe a bengala e o chapéu, atirá-lo escada a baixo, empurrá-lo porta afora e der volta à chave. Em qualquer destes casos o visitante que se fizer desentendido e insistir em ficar, dará mostras de educação muito rudimentar.
Eis outro conselho:
“Se formos visitar uma senhora nova que viva só e chegar em seguida um segundo visitante mais familiar que nós, partamos imediatamente”.
O período está incompleto. Escapou na impressão qualquer coisa que vamos tentar suprir. “Partamos imediatamente”, ponto final, não é possível. Falta o objeto direto do verbo partir. O autor quis dizer, com certeza: “Partamos imediatamente a cabeça do intruso e o deitemos pela escada abaixo com um pontapé, etc., etc.
Conselho mais útil é o seguinte:
“Se formos visitar um doente, falemos muito pouco com ele e devagar, o bastante para lhe perguntar se vai melhor e para o animar, assim como às pessoas de sua família”.
Há pessoas que fadigam os doentes e os intimidam, em vez de os animarem. A educação mais elementar ensina que a um enfermo sempre se devem infundir esperanças e coragem. Suponha-se um amigo acamado com reumatismo ou luxação do pé. Devemos entrar-lhe no quarto com fisionomia risonha, animá-lo, dizer-lhe, por exemplo: “Que é isso, homem! Você de cama com uma coisa à toa. Não seja maricas. Que vale uma luxação no pé? Estive ontem com o seu médico. Disse-me que você deve estar tranqüilo; que se for preciso amputar a perna (e ele tem ainda esperança de que não o seja) você resistirá muito bem. Há hoje pernas de pau excelentes e muletas que é um delícia de andar com elas. Anime-se, homem! Que vale uma perna? E além disso, lhe restará a outra. Com uma perna só vai-se a Roma; vai-se até à China, sendo por mar... etc., etc.” Essa é a linguagem que deve ter uma pessoa educada, junto ao leito de um amigo que torceu o pé; e não chegar com o semblante carregado, fisionomia soturna, ar pessimista suspirando e agourando. Isso nunca.


O Imparcial, 18 de fevereiro de 1913.

Antônio Torres - "Comentários ao 'Binóculo'"



Binóculo era a coluna social, precursora do gênero no Brasil, publicada na Gazeta de Notícias escrita por Figueiredo Pimentel (1869-1914) – autor da célebre frase “o Rio civiliza-se”.