Eis o que me dizia o Abreu.
Há poucos dias um papagaio causou tal desaguisado no seio de certa família suburbana, que o caso foi acabar na polícia. Entre os leitores de tal notícia muitos provavelmente não acreditaram que tivesse, realmente, sido a ave o pomo da discórdia. Outros, habituados à linguagem literária e simbólica dos noticiários modernos, julgaram que o repórter empregara a palavra papagaio em vez de seu sinônimo – deputado. Mas não foi. Tratava-se de um desses parladores comuns que custam 20$000 de uma só vez e não dos outros que pagamos por prestações de 75$000, como nos clubes, e que nunca acabamos de pagar.
Eu sei, de ciência própria, que os papagaios, direta ou indiretamente, causam às vezes transtornos sérios. Um amigo meu, freqüentador de uma família eriçada de moças casadoiras, perguntado um dia se não tencionava tomar estado, respondeu que andara pensando nisso, as resolvera afinal comprar um papagaio, por ficar mais barato.
O enterro se realizou no dia seguinte.
O caso que se deu comigo, há dous anos, andou desvirtuado nos jornais. Aproveito o ensejo para retificá-lo. Foi o seguinte. O quitandeiro, ao vender-me o papagaio, garantiu que ele “repetia tudo quanto ouvia”. Nessas condições, por 50$000 era barato e paguei sem regatear. Tive de modificar o regime de casa e proibi que se lesse em voz alta o Diário do Congresso, com receio de que o louro aprendesse certos trechos. Abstive-me, com sacrifício, de praguejar durante uma semana. Ao fim desse tempo notei que o animal não dizia uma frase, uma palavra; nem ao menos “apoiado” ele sabia repetir. Levei-o ao vendedor:
– O senhor não me garantiu que este papagaio repete tudo quanto ouve?
– Garanti e garanto.
– Como é que em oito dias ele não falou ainda uma só palavra?
– Porque não ouviu nenhuma...
– Pois se eu lhe afirmo que tenha passado horas e horas a ensinar-lhe, a ler-lhe em voz alta, a falar-lhe, a cantar-lhe...
– Acredito perfeitamente; mas o papagaio não ouviu.
– O senhor tem coragem de me dizer isso?...
– Sim senhor; porque ele é surdo...
O delegado achou excessivo que eu respondesse com a bengala de brejaúba. Na sua opinião era suficiente um bastão de cerejeira. E mandou lavrar o flagrante.
Felizmente o juiz decidiu a meu favor, frisando que “ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei” e, não havendo texto legal que me obrigasse taxativamente a fender a cabeça do quitandeiro com a bengala de cereja ou de outra qualquer madeira em particular, eu não era passível de pena.
Os papagaios (uns e outros) causam transtornos sérios.
Gazeta de Notícias, 20 de maio de 1911.
Há poucos dias um papagaio causou tal desaguisado no seio de certa família suburbana, que o caso foi acabar na polícia. Entre os leitores de tal notícia muitos provavelmente não acreditaram que tivesse, realmente, sido a ave o pomo da discórdia. Outros, habituados à linguagem literária e simbólica dos noticiários modernos, julgaram que o repórter empregara a palavra papagaio em vez de seu sinônimo – deputado. Mas não foi. Tratava-se de um desses parladores comuns que custam 20$000 de uma só vez e não dos outros que pagamos por prestações de 75$000, como nos clubes, e que nunca acabamos de pagar.
Eu sei, de ciência própria, que os papagaios, direta ou indiretamente, causam às vezes transtornos sérios. Um amigo meu, freqüentador de uma família eriçada de moças casadoiras, perguntado um dia se não tencionava tomar estado, respondeu que andara pensando nisso, as resolvera afinal comprar um papagaio, por ficar mais barato.
O enterro se realizou no dia seguinte.
O caso que se deu comigo, há dous anos, andou desvirtuado nos jornais. Aproveito o ensejo para retificá-lo. Foi o seguinte. O quitandeiro, ao vender-me o papagaio, garantiu que ele “repetia tudo quanto ouvia”. Nessas condições, por 50$000 era barato e paguei sem regatear. Tive de modificar o regime de casa e proibi que se lesse em voz alta o Diário do Congresso, com receio de que o louro aprendesse certos trechos. Abstive-me, com sacrifício, de praguejar durante uma semana. Ao fim desse tempo notei que o animal não dizia uma frase, uma palavra; nem ao menos “apoiado” ele sabia repetir. Levei-o ao vendedor:
– O senhor não me garantiu que este papagaio repete tudo quanto ouve?
– Garanti e garanto.
– Como é que em oito dias ele não falou ainda uma só palavra?
– Porque não ouviu nenhuma...
– Pois se eu lhe afirmo que tenha passado horas e horas a ensinar-lhe, a ler-lhe em voz alta, a falar-lhe, a cantar-lhe...
– Acredito perfeitamente; mas o papagaio não ouviu.
– O senhor tem coragem de me dizer isso?...
– Sim senhor; porque ele é surdo...
O delegado achou excessivo que eu respondesse com a bengala de brejaúba. Na sua opinião era suficiente um bastão de cerejeira. E mandou lavrar o flagrante.
Felizmente o juiz decidiu a meu favor, frisando que “ninguém é obrigado a fazer ou a deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei” e, não havendo texto legal que me obrigasse taxativamente a fender a cabeça do quitandeiro com a bengala de cereja ou de outra qualquer madeira em particular, eu não era passível de pena.
Os papagaios (uns e outros) causam transtornos sérios.
Gazeta de Notícias, 20 de maio de 1911.