Parentescos
O Sr. Lopes Gonçalves goza para mim das vantagens de me encantar, pelas sublimidades que diz. Dizem-me que é um grande senador, muito alto, muito eloqüente, muito gordo, que fala como um trovão. Não o conheço pessoalmente, nunca o vi mais gordo; e a minha admiração por ele é toda feita através das páginas do “Diário do Congresso”. E é um homem! Não é só um homem grande pela estatura e pela circunferência abdominal, como também um grande homem pela elevação do que diz. Ainda ontem todos nós lemos perplexos as cousas sublimes e elevadas que S. Ex. disse na comissão de Diplomacia e Justiça do Senado. S. Ex. foi sublime!Apenas sublime! Falando do Acre, disse que o comparava a um filho, e a União à mãe. É um achado de expressão! E acrescentou: “à medida que o filho cria juízo, a mãe vai lhe concedendo favores: e só lhe deve dar perfeita liberdade quando ele chegar à maioridade, que no nosso Direito só se adquire aos 21 anos. Ora, o Acre ainda não 21 anos, como pretender dar-lhe autonomia?” – É profundo!...
É profundo, mas consideremos. Analisando bem a cousa, descobre-se aqui um certo parentesco entre o Acre e o Sr. Gonçalves. A União é a mãe: o Acre é o filho da mãe. Mas o que é a União? – É a pátria. – E que é o Sr. Gonçalves? – Senador, pai da pátria. Ora, se o Sr. Gonçalves é pai da mãe, isto é, pai da Pátria, e se a Pátria é a União, que é a mãe do filho, e se o filho da mãe que é o Acre é filho da União, que é filho do pai da Pátria, lóóóógo – como diria o meu amigo Seabra – o eminente senador Gonçalves é avô do Acre e o Acre é neto do senador Gonçalves.
Ou isso está certo ou não há lógica neste país. E só assim se explica o cuidado paternal que o Sr. Gonçalves tem pelo Acre. Diacho é que há no meio o Amazonas de onde o Sr. Gonçalves é filho: e temos a conclusão que o Amazonas é bisavô do Acre. Resta saber nessa parentela toda se o Acre é filho legítimo. O Sr. Gonçalves diz que ele é filho, que a União é a mãe. Mas quem é o pai? O nosso Direito Civil exige a declaração de paternidade para a legitimação dos filhos. Quem é, neste complicado problema familiar, o pai do Acre? Vamos, Sr. senador Lopes Gonçalves! diga! quem é o pai!... Não lhe fica bem expor a União a esse vexame. Se ela é a mãe, se o Acre é o filho da mãe, se o Sr. Senador é pai da pátria e, portanto, pai da mãe e avô do neto, não lhe fica bem trazer esse pequeno pela mão e apresentá-lo à comissão de Diplomacia e Justiça do Senado como um filho espúrio. Não, isso assim não dá certo. O Sr. Lopes tem de legitimar esse negócio – do contrário o Acre não lhe agradece a glória e a sorte de ser aqui apresentado como um simples filho da União, filho sem pai. Simples filho da mãe!...
Gazeta de Notícias, 30 de agosto de 1916.
O Sr. Lopes Gonçalves goza para mim das vantagens de me encantar, pelas sublimidades que diz. Dizem-me que é um grande senador, muito alto, muito eloqüente, muito gordo, que fala como um trovão. Não o conheço pessoalmente, nunca o vi mais gordo; e a minha admiração por ele é toda feita através das páginas do “Diário do Congresso”. E é um homem! Não é só um homem grande pela estatura e pela circunferência abdominal, como também um grande homem pela elevação do que diz. Ainda ontem todos nós lemos perplexos as cousas sublimes e elevadas que S. Ex. disse na comissão de Diplomacia e Justiça do Senado. S. Ex. foi sublime!Apenas sublime! Falando do Acre, disse que o comparava a um filho, e a União à mãe. É um achado de expressão! E acrescentou: “à medida que o filho cria juízo, a mãe vai lhe concedendo favores: e só lhe deve dar perfeita liberdade quando ele chegar à maioridade, que no nosso Direito só se adquire aos 21 anos. Ora, o Acre ainda não 21 anos, como pretender dar-lhe autonomia?” – É profundo!...
É profundo, mas consideremos. Analisando bem a cousa, descobre-se aqui um certo parentesco entre o Acre e o Sr. Gonçalves. A União é a mãe: o Acre é o filho da mãe. Mas o que é a União? – É a pátria. – E que é o Sr. Gonçalves? – Senador, pai da pátria. Ora, se o Sr. Gonçalves é pai da mãe, isto é, pai da Pátria, e se a Pátria é a União, que é a mãe do filho, e se o filho da mãe que é o Acre é filho da União, que é filho do pai da Pátria, lóóóógo – como diria o meu amigo Seabra – o eminente senador Gonçalves é avô do Acre e o Acre é neto do senador Gonçalves.
Ou isso está certo ou não há lógica neste país. E só assim se explica o cuidado paternal que o Sr. Gonçalves tem pelo Acre. Diacho é que há no meio o Amazonas de onde o Sr. Gonçalves é filho: e temos a conclusão que o Amazonas é bisavô do Acre. Resta saber nessa parentela toda se o Acre é filho legítimo. O Sr. Gonçalves diz que ele é filho, que a União é a mãe. Mas quem é o pai? O nosso Direito Civil exige a declaração de paternidade para a legitimação dos filhos. Quem é, neste complicado problema familiar, o pai do Acre? Vamos, Sr. senador Lopes Gonçalves! diga! quem é o pai!... Não lhe fica bem expor a União a esse vexame. Se ela é a mãe, se o Acre é o filho da mãe, se o Sr. Senador é pai da pátria e, portanto, pai da mãe e avô do neto, não lhe fica bem trazer esse pequeno pela mão e apresentá-lo à comissão de Diplomacia e Justiça do Senado como um filho espúrio. Não, isso assim não dá certo. O Sr. Lopes tem de legitimar esse negócio – do contrário o Acre não lhe agradece a glória e a sorte de ser aqui apresentado como um simples filho da União, filho sem pai. Simples filho da mãe!...
Gazeta de Notícias, 30 de agosto de 1916.
Nenhum comentário:
Postar um comentário