segunda-feira, 28 de abril de 2025

João Foca


 Ontem em um bonde encontrei com d. Alexandrina e os dois filhos... Os dois não, os três que foram 1$200 réis que eu paguei de passagens por eles... É quatro vezes três, mil e duzentos. Esse três aí é três... entos réis, que eles moram em Águas Férreas...
Pois encontrei d. Alexandrina, que fez a mesma festa de sempre que me vê depois de uns mergulhos que eu costumo dar e em que levo desaparecido um tempão.
– Como está, seu Joãozinho?... Então que sumiço levou, por onde tem andado?...
– Por aí, rolando sem ser pipa... Como Deus Nosso Senhor é servido...
– Pois eu ainda hoje pensei muito no senhor.
– Muito obrigado...
– Pois é a verdade... Pensei mesmo e até disse a Ernesto (Ernesto é o marido de d. Alexandrina): “Se encontrar seu João Foca, tenho uma cousa para lhe contar...”
– Uma cousa? Conte, conte, d. Alexandrina...
E já fiquei todo assanhado, porque eu cá sou assim, gosto de saber cousas que me pelo.
– Ah! não é nada de importante. Foi a sua crônica de hoje que me lembrou, sabe?... O Meireles e a mulher estão desesperados com as filhas lustrarem as unhas, não é?... Que estarei eu então com estes três pestinhos...
– Como? Também deram para dar brilho nas unhas?...Ora os manatas...
– Se fosse isso...
– Ah! logo vi!... – E vi mesmo que os insetos tinham o material unhante muito maltratadozinho, não é por falar mal. O mais velho estava até de luto fechado, cada tarja daquelas largas, que levam horas a tirar, capazes de dar aterro para um metro quadrado de Avenida à beira-mar. Nos outros dois já era luto aliviado, mas por pessoa de estimação, e isto é, luto pouco aliviado...
– Mas qual é a causa do seu desespero, d. Alexandrina?...
– O fuquibó...
– Fuquibó?...
– Fuquibó ou fuquibole...
Foot-ball – emendou o do luto fechado.
– Pois é isso; eu para nomes estrangeiros e palavras arrevesadas sou uma lástima – disse ela e é mesmo, não é por gabar. No tempo que o cake-walk era o hino nacional, estava numa ponta danada, d. Alexandrina começou por chamá-lo quequevalk, depois passou a quericuroc e terminou por quequor...
– Ah! o foot-ball?! Mas é um belíssimo exercício, um sport magnífico...
– Se é esse port, como o senhor diz, não sei. Sei que é um inferno. Ernesto caiu na maluquice de levar os meninos pra verem jogar esse tal fuguibole... Pois, meu senhor, foi uma desgraça... Vieram para casa com o diabo no corpo, a dar pontapés em quando encontravam, dizendo uns palavrões em inglês ou o que é, que nem eu sei o que querem dizer. Até pode ser algum nome feio... Então tem uma: chula ou chupa...
Shoot – disse um dos aliviados.
– … que quando um deles grita isso já ficou tremendo a pensar qual é o vidro que vai ficar quebrado... Ernesto comprou uma bola, para eles um bolão feito bexiga de boi, não sabe?... Não descansaram enquanto não arrebentaram a bola. Comprou-se outra... Custa cinco, seis mil réis cada uma... Arrebentaram também. Agora já disse, não se compra outra... Não é pelo dinheiro...
Eu logo vi que não era pelo dinheiro, mas pelos seis mil réis...
– Pois sabe o senhor que estes demonetes deram em fazer?... Jogam a tal porqueira com tudo quanto apanham e é redondo. Não para laranja na fruteira...
– Eles chupam como a senhora diz...
Ela não percebeu o trocadilho e eu vi que tinha perdido uma bela ocasião de ficar calado.
– E o calçado? Não há botina que aguente. Em oito dias está furado o par mais forte deste mundo... Também já disse: agora acabando estas vou mandar botar ferraduras em todos os três...
Cá por dentro achei que lhe ficavam bem aqueles sentimentos... maternais...
– E o que se machucam... Julinho esteve oito dias sem ir ao colégio por causa de um pontapé que levou na canela, que ficou um ferida...
– Foi o Nelson, que é um pinga, um porqueira e bruto como o diabo – explicou o Julinho (um dos aliviados, referindo-se ao fechado). Eu queria fazer um goal (dizia: gol) a pulso, fui fazer um passe e ele me arrumou o coice na canela...
– Ora, Julinho é de má carnadura. Qualquer coisinha apostema logo... Ficou com a perna incapaz... até tive medo que viesse alguma indisipélia –continuou d. Alexandrina, que, deixou-se lá de modéstia, também atropela suas palavras nacionais, não só as estrangeiras.
Chegavam à casa. Saltaram. No descer o Julinho deixou cair aos pés do Nelson um embrulho que trazia... Este, que estava a pensar em fazer um goal e também pelo hábito, sentindo o embrulho bater-lhe no pé, shootou logo – peft...
O embrulho, à patada, abriu. Isso foi um correr de empadinhas e maravilhas esborrachadas pela rua fora que não lhes digo nada...

Jornal do Brasil, 9 de agosto de 1905.

Nenhum comentário:

Postar um comentário