segunda-feira, 12 de outubro de 2015

João Ribeiro

Da seção dominical "Sete Dias" de João Ribeiro n'O Paiz.


Creio que será por um móvel totalmente altruístico que os padres clamam contra o casamento civil.
Em verdade eles não tem um grande interesse nisso. Os padres não se casam. E dado que eles se casassem, o matrimônio civil ou religioso não os incompatibiliza com o casamento eclesiástico, de que eles tanto usam e abusam, há longo tempo.
Conta-se que no concílio de Trento, de que fazia parte D. Fr. Bartolomeu dos Mártires, arcebispo de Braga, agitou-se a questão do celibato dos padres. 
D. Fr. Bartolomeu, que não confiava muito dos pastores lusitanos, dignos ascendentes do padre Amaro, pedia com instância o casamento dos eclesiásticos, e, vendo-se vencido pela assembléia em último lance, aventurou a súplica:
- Meus senhores! ao menos para os de Braga!
20 de julho de 1890

Hoje vieram as “Cousas do dia”; havia tempo que não vinham. E faziam saudades.
Diversos escritores as escrevem, com maestria e talento. Um deles, inteligência vigorosa, forte, sadia, tem, no entanto, os pequenos inconvenientes do escritor viajado.
Os homens viajados trazem no cérebro acamadas, sem classificação, em promiscuidade, todas as espécies de impressões. Tudo ali está aos pares, inconhos e indissolúveis; não sai uma boa pilhéria, sem ao mesmo tempo sair, da mesma vez, a pilhéria, a posição astronômica e o apontamento de viagem.
É inevitável.
Daí o homem das “Cousas” explicar, verbi gratia, a feijoada indígena pela feijoada minhota, condimentada com a broa lusitana e mais a indigestão internacional. Um gênero caro... diz-se... caro como um pêssego de Amarante.
E a gente fica no “ora veja”.
O diabo é o recurso da certidão. Se a gente pudesse dizer: – Espera aí, vou dar já um salto a Olivais – tudo iria muito bem.
Mas não sendo possível esse processo de verificação, eu proponho que as “Cousas do dia”, em vindo assim, se intitulem sinceramente, “Cousas do reino”.
Até porque nem lhe falta a pimenta de igual procedência.
22 de fevereiro de 1891

Também o frio abre o apetite; por isso é que eu vejo uma notícia de que a boemia literária procura fundar um clube de comes e bebes, o Clube Rabelais.
O nome é sensual demais, e quadraria melhor talvez a uma súcia de velhos e joviais celibatários. Como quer que seja, e por isso que desde a artinha de latim do padre Pereira o nome desceu à degradação de não ser mais que uma voz pela qual se conhecem as coisas, o Clube Rabelais tem intuitos mais regulares e menos intemperantes. Propõe-se apenas a resolver o problema da solidariedade literária. Esse problema, quase uma quadratura do círculo, tem ocupado a máxima meditação dos homens de letras. Chegou-se, parece, ao resultado de que a agremiação declamatória pelo soneto não era laço de coesão estável. Procurou-se, pois, em resumo, saber qual seria o pacto sagrado, religio, que pudesse ligar os homens de letras?
O Clube Rabelais é justamente uma solução; e ele propõe-se a determinar que aquele laço de solidariedade é, não pode deixar de ser, a tripa.
Os homens de letras, anárquicos, revolucionários, descontínuos, extravagantes, são susceptíveis de coordenação apenas pela barriga. É a única víscera comum que não foi deteriorada pela especialização letrada.
Eis como a comunidade do quitute pode levantar a literatura nacional.

Demais nessa instituição há uma certa continuidade ancestral. Os vates lusitanos freqüentavam os marqueses e faziam lamúrias pelos galinheiros dos fidalgos. Uma sátira do Tolentino custava uma galinha. Os Mecenas influíram propiciamente pela mesa e na literatura do tempo de Pombal para fazer surgir um poeta bastava uma trouxa de ovos.
17 de maio de 1891

 O Dr. Ataliba Gomensoro, ilustre literato e censor oficial do Conservatório, apareceu protestando contra uma suposta fadiga que lhe atribuíram por excesso de leituras dramáticas.
O emérito crítico tinha ganhado o primeiro prêmio em um concurso elegante por ser o homem da sociedade fluminense que tem os pés mais pequenos e que pisa melhor.
Era lícito que fosse chamado à cena, afim de que ao menos mostrasse que não dormia ainda em conseqüência de suas leituras e tinha a cabeça não menos bem formada e resistente a qualquer narcótico.
E assim, sem dar por isso, um homem ocupa a semana dos pés à cabeça.
Tenha paciência o ilustre crítico. Um homem que lê todas as peças que confluem ao Conservatório já não é ninguém neste mundo. É ao menos, para plagiar um velho e insípido calembur, uma vítima do ar cênico.

Eu considero, pois, o protesto do Sr. Dr. Ataliba como um grave sintoma de envenenamento produzido pela ação lenta e mortífera do drama. De todas as espécies literárias, inclusive o discurso opiáceo e o soneto constipador, não há uma só que apresente os caracteres mais definidos de tóxico terrível do que um drama com um prólogo, cinco atos e um epílogo. O veneno é principalmente violentíssimo quando ele vai rotulado em duplicata: José ou a Probidade vencedora; Reginaldo ou quinze anos de remorsos.
Isso então é a quinta-essência; é o ácido prússico em diálogo. 
7 de junho de 1891

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