segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016
segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016
J. Brito
SUBLIMES...
Do sublime ao ridículo há só um passo...
Li uma notícia, achei sublime, achei ridícula. O regimento vai passando. Uma senhora reunira em torno de si, em sua residência, um bando de crianças. Nisso, passa o regimento. Assim que as crianças viram os soldados começaram a cantar o Hino da Bandeira e o Nacional. Sublime! O comandante do regimento, ato contínuo, mete a força em linha e manda que as praças cantem o hino. Ainda sublime, se for verdade. Depois, em companhia dos oficiais, o comandante vai cumprimentar a senhora pela lembrança, pelo espontâneo. (A notícia não diz se a senhora ofereceu café, mas é certo). Continua o sublime.
Continua o sublime. Mas parece que o nosso entusiasmo começa a descambar. Há só um passo, não há mais que um passo do sublime ao ridículo. A força vai passando. Muito bem. “Rantamplan! plan! plan!” como na cançoneta. O grupo de crianças, de repente, em vez do “Tempo será” e do “Chicote queimado” – começa o Hino da Bandeira. O comandante manda fazer alto: – “Toca aí o hino, Vitorino!” – e ali mesmo, ao sol, suados, carabinas ao ombro, os soldados começam a cantar. É dramático. Quando os soldados acabam de cantar, o comandante, entusiasmado, diz: “Rapazes, vamos lá acima, vamos agradecer...”
É sublime esse entusiasmo agora! É sublime, mas compromete. Essas crianças que fazem deter uma força que passa; esses soldados em forma, ao meio da rua cantando o hino; o comandante, com os oficiais indo agradecer (não se sabe se tomaram café) – tudo isso é altamente sublime, altamente patriótico, altamente grandioso, mas dá vontade de rir...
É preciso não passar da medida. Do sublime ao ridículo não há senão um passo... Não demos esse passo, amigos! É preciso que nos contenhamos um pouco, que não arrotemos tanto entusiasmo recolhido de uma vez só – porque a fita pode queimar com um ridículo formidável...
Gazeta de Notícias, 24 de setembro de 1916.
Do sublime ao ridículo há só um passo...
Li uma notícia, achei sublime, achei ridícula. O regimento vai passando. Uma senhora reunira em torno de si, em sua residência, um bando de crianças. Nisso, passa o regimento. Assim que as crianças viram os soldados começaram a cantar o Hino da Bandeira e o Nacional. Sublime! O comandante do regimento, ato contínuo, mete a força em linha e manda que as praças cantem o hino. Ainda sublime, se for verdade. Depois, em companhia dos oficiais, o comandante vai cumprimentar a senhora pela lembrança, pelo espontâneo. (A notícia não diz se a senhora ofereceu café, mas é certo). Continua o sublime.
Continua o sublime. Mas parece que o nosso entusiasmo começa a descambar. Há só um passo, não há mais que um passo do sublime ao ridículo. A força vai passando. Muito bem. “Rantamplan! plan! plan!” como na cançoneta. O grupo de crianças, de repente, em vez do “Tempo será” e do “Chicote queimado” – começa o Hino da Bandeira. O comandante manda fazer alto: – “Toca aí o hino, Vitorino!” – e ali mesmo, ao sol, suados, carabinas ao ombro, os soldados começam a cantar. É dramático. Quando os soldados acabam de cantar, o comandante, entusiasmado, diz: “Rapazes, vamos lá acima, vamos agradecer...”
É sublime esse entusiasmo agora! É sublime, mas compromete. Essas crianças que fazem deter uma força que passa; esses soldados em forma, ao meio da rua cantando o hino; o comandante, com os oficiais indo agradecer (não se sabe se tomaram café) – tudo isso é altamente sublime, altamente patriótico, altamente grandioso, mas dá vontade de rir...
É preciso não passar da medida. Do sublime ao ridículo não há senão um passo... Não demos esse passo, amigos! É preciso que nos contenhamos um pouco, que não arrotemos tanto entusiasmo recolhido de uma vez só – porque a fita pode queimar com um ridículo formidável...
Gazeta de Notícias, 24 de setembro de 1916.
terça-feira, 2 de fevereiro de 2016
J. Brito
“Isto é cadeia”
“Nós precisamos de um governo-ditatura que feche esse Congresso; precisamos ainda de um estado de sítio para coonestar o fuzilamento de todos esses ladrões conhecidos e apontados pelo povo”.
Estas solenes palavras, que eu cuidadosamente gravo entre aspas, não me pertencem: pertencem a um fazendeiro em Santa Rita do Sapucaí, o Sr. coronel Antônio Moreira da Costa, que, no caso, para fixar a autoridade do que diz, tem a qualidade de ser irmão do presidente de Minas.
Voto contra o Sr. coronel! Voto contra as duas proposições do Sr. coronel. Por dois motivos: primeiro, porque fechar o Congresso seria pôr em sérias dificuldades os rapazes da imprensa que tem a obrigação de fornecer pilhérias ao público; segundo, porque ter de “fuzilar todos esses ladrões” era um trabalho maluco! Como fuzilar? Se tudo é ladrão, na opinião do Sr. coronel, quem ficaria para executar os culpados?...
A história é velha, mas cabe aqui. Em certa cidade do interior, a cadeia era pequena para conter os ratoneiros da zona. O carcereiro tinha sérias dificuldades para acomodar lá dentro toda a rapaziada que infringia o 7° mandamento da Lei de Deus, que manda “não furtar”. Um belo dia o homenzinho dirigiu-se ao governador da cidade e fez a reclamação. Era preciso uma cadeia maior.
– Mais ou menos de que tamanho? – perguntou o governador.
– Uma cadeia muito grande – disse o carcereiro.
E ambos olharam em torno, calculando, avaliando o número de ladrões prováveis que podia haver na cidade.
– Homem, você sabe de uma cousa?... O melhor é mandar levantar uma grande muralha em torno da cidade, ao redor de toda a cidade, e ficarmos nós também cá dentro.
– Também nós?!...
– Sim. Na opinião deles, nós também somos uns patifes é melhor que fiquemos todos.
Parece que não é bem isso o que deseja o Sr. coronel. S. S., naturalmente, fica do lado de fora da muralha, e quer o estado de sítio para fuzilamento do resto. Aqui é que está o difícil! Quem fuzila?... Se todos nós somos, se o país inteiro é – na opinião do Sr. coronel – um país essencialmente... agrícola, quem ficará para dar ao gatilho?... O Sr. coronel sozinho, lá em Santa Rita do Sapucaí não poderá constituir pelotão... Parece que o melhor é fazer mesmo como o tal governador da cidade do interior: mandar levantar a grande muralha em torno de todo o país (exceção feita a Santa Rita), pespegar uma grande placa azul, como essas das esquinas com o seguinte letreiro: “Isto é uma cadeia”, deixando do lado de fora somente o Sr. coronel com um grande chicote na mão. Para grandes males, grandes... muralhas.
Gazeta de Notícias, 15 de setembro de 1916.
“Nós precisamos de um governo-ditatura que feche esse Congresso; precisamos ainda de um estado de sítio para coonestar o fuzilamento de todos esses ladrões conhecidos e apontados pelo povo”.
Estas solenes palavras, que eu cuidadosamente gravo entre aspas, não me pertencem: pertencem a um fazendeiro em Santa Rita do Sapucaí, o Sr. coronel Antônio Moreira da Costa, que, no caso, para fixar a autoridade do que diz, tem a qualidade de ser irmão do presidente de Minas.
Voto contra o Sr. coronel! Voto contra as duas proposições do Sr. coronel. Por dois motivos: primeiro, porque fechar o Congresso seria pôr em sérias dificuldades os rapazes da imprensa que tem a obrigação de fornecer pilhérias ao público; segundo, porque ter de “fuzilar todos esses ladrões” era um trabalho maluco! Como fuzilar? Se tudo é ladrão, na opinião do Sr. coronel, quem ficaria para executar os culpados?...
A história é velha, mas cabe aqui. Em certa cidade do interior, a cadeia era pequena para conter os ratoneiros da zona. O carcereiro tinha sérias dificuldades para acomodar lá dentro toda a rapaziada que infringia o 7° mandamento da Lei de Deus, que manda “não furtar”. Um belo dia o homenzinho dirigiu-se ao governador da cidade e fez a reclamação. Era preciso uma cadeia maior.
– Mais ou menos de que tamanho? – perguntou o governador.
– Uma cadeia muito grande – disse o carcereiro.
E ambos olharam em torno, calculando, avaliando o número de ladrões prováveis que podia haver na cidade.
– Homem, você sabe de uma cousa?... O melhor é mandar levantar uma grande muralha em torno da cidade, ao redor de toda a cidade, e ficarmos nós também cá dentro.
– Também nós?!...
– Sim. Na opinião deles, nós também somos uns patifes é melhor que fiquemos todos.
Parece que não é bem isso o que deseja o Sr. coronel. S. S., naturalmente, fica do lado de fora da muralha, e quer o estado de sítio para fuzilamento do resto. Aqui é que está o difícil! Quem fuzila?... Se todos nós somos, se o país inteiro é – na opinião do Sr. coronel – um país essencialmente... agrícola, quem ficará para dar ao gatilho?... O Sr. coronel sozinho, lá em Santa Rita do Sapucaí não poderá constituir pelotão... Parece que o melhor é fazer mesmo como o tal governador da cidade do interior: mandar levantar a grande muralha em torno de todo o país (exceção feita a Santa Rita), pespegar uma grande placa azul, como essas das esquinas com o seguinte letreiro: “Isto é uma cadeia”, deixando do lado de fora somente o Sr. coronel com um grande chicote na mão. Para grandes males, grandes... muralhas.
Gazeta de Notícias, 15 de setembro de 1916.
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