HUMORISMOS
Um mal nunca vem sozinho, reza o adágio.
Outro tanto sucede com as carteiras. Vou explicar a asserção.
Um dos meus amigos íntimos nunca havia usado carteira, e isso por diferentes motivos.
Primeiro: a carteira seria para ele puro objeto de luxo, visto não ter o que guardar dentro. Costumava meter a sua fortuna no bolso das calças, até o dia 10; na algibeira do colete, do dia 10 ao 20; no buraco de um dente molar, do dia 20 ao fim do mês.
Eis que chega de fora um amigo íntimo do meu amigo íntimo, e presenteia-o com uma bela e original carteira.
Um alegrão! Passou por todas as emoções da estreia de uma carteira, e aproveita-se de qualquer ensejo para exibir o preciso utensílio aos olhos dos circunstantes, principalmente daqueles que não possuíam tal objeto.
Ao vê-lo passar de mão em mão, que divino prazer não fruía meu amigo, lendo nos seus olhos o ciúme, a inveja, a raiva, a ironia, o despeito profundo que sempre desperta nos corações bem ou mal formados a contemplação de um bonito presente que eles, os corações mal ou bem formados, não receberam!
Muito bem.
Ainda não se havia escoado a lua de mel com a linda carteira, quando, por ocasião de um festival para o qual fora especialmente convidado, o meu amigo recebe de mimo outra carteira.
Não era feia, não; porém o seu coração já estava ocupado pela primeira, e também o seu bolso.
Guardou-a na gaveta, enquanto excogitava gravemente que destino haveria de dar-lhe.
Entretanto há outra festa análoga à primeira, ele comparece como representante de certa corporação e...... tome carteira!
O meu amigo começou a desconfiar que aquilo era motejo da sorte ou então debique do destino.
Pensou em vender as duas últimas carteiras, a fim de meter o produto dentro da primeira; mas desistiu da ideia não só por natural escrúpulo, como também porque ninguém lhas quis comprar (esta razão é secundária, a principal foi o escrúpulo).
Deliberou então dá-las de presente, depois de se ter convencido de que não equivalia a fazer cortesia com chapéu alheio, visto como uma carteira minha não é um chapéu alheio.
(Quando um indivíduo discute consigo mesmo, e quer que o seu segundo eu concorde com o primeiro eu, tem sempre na algibeira um raciocínio específico igual ao precedente. A lógica do egoísmo foi formulada por M. Joseph Proudhomme na frase: C’est mon opinion et je la partage).
Resolveu pois, dar as duas carteiras de presente.
Mas a quem?
Muitas das pessoas a quem desejou mimosear já possuíam carteiras. Outras não usavam semelhante traste, por causa dos gatunos.
Um amigo, a quem em conversa manifestou a intenção de dar-lhe o presente , exclamou:
– Abrenúncio! Passa fora! É traste que nem pintado quero ver.
– Por que?
– Quando usava carteira perdi dois filhos, tive bexigas, diminuíram-me o ordenado e vivi sempre na quebradeira. Foi a minha macaca.
O homem desalentou.
Dias depois viu dois tinteiros sobre a mesa de um colega.
– Ah! que ideia! – murmurou ele – vou propor-lhe a troca de um tinteiro por duas carteiras.
E com muito jeito entabulou conversação, elogiou os tinteiros e perguntou-lhe:
– Usas carteira?
– Não. Tenho em casa meia dúzia delas. Queres uma?
Desta vez enfiou deveras e mandou o outro ao diabo, com um gesto indecoroso.
Por fim libertou-se das importunas remetendo-as pelo correio a dois cavalheiros do seu conhecimento, que os jornais participaram fazer anos.
Mas deixou de ir beber-lhes a cerveja aniversária, com receio do que lhe devolvessem as carteiras.
O Paiz, 11 de outubro de 1891.
Um mal nunca vem sozinho, reza o adágio.
Outro tanto sucede com as carteiras. Vou explicar a asserção.
Um dos meus amigos íntimos nunca havia usado carteira, e isso por diferentes motivos.
Primeiro: a carteira seria para ele puro objeto de luxo, visto não ter o que guardar dentro. Costumava meter a sua fortuna no bolso das calças, até o dia 10; na algibeira do colete, do dia 10 ao 20; no buraco de um dente molar, do dia 20 ao fim do mês.
Eis que chega de fora um amigo íntimo do meu amigo íntimo, e presenteia-o com uma bela e original carteira.
Um alegrão! Passou por todas as emoções da estreia de uma carteira, e aproveita-se de qualquer ensejo para exibir o preciso utensílio aos olhos dos circunstantes, principalmente daqueles que não possuíam tal objeto.
Ao vê-lo passar de mão em mão, que divino prazer não fruía meu amigo, lendo nos seus olhos o ciúme, a inveja, a raiva, a ironia, o despeito profundo que sempre desperta nos corações bem ou mal formados a contemplação de um bonito presente que eles, os corações mal ou bem formados, não receberam!
Muito bem.
Ainda não se havia escoado a lua de mel com a linda carteira, quando, por ocasião de um festival para o qual fora especialmente convidado, o meu amigo recebe de mimo outra carteira.
Não era feia, não; porém o seu coração já estava ocupado pela primeira, e também o seu bolso.
Guardou-a na gaveta, enquanto excogitava gravemente que destino haveria de dar-lhe.
Entretanto há outra festa análoga à primeira, ele comparece como representante de certa corporação e...... tome carteira!
O meu amigo começou a desconfiar que aquilo era motejo da sorte ou então debique do destino.
Pensou em vender as duas últimas carteiras, a fim de meter o produto dentro da primeira; mas desistiu da ideia não só por natural escrúpulo, como também porque ninguém lhas quis comprar (esta razão é secundária, a principal foi o escrúpulo).
Deliberou então dá-las de presente, depois de se ter convencido de que não equivalia a fazer cortesia com chapéu alheio, visto como uma carteira minha não é um chapéu alheio.
(Quando um indivíduo discute consigo mesmo, e quer que o seu segundo eu concorde com o primeiro eu, tem sempre na algibeira um raciocínio específico igual ao precedente. A lógica do egoísmo foi formulada por M. Joseph Proudhomme na frase: C’est mon opinion et je la partage).
Resolveu pois, dar as duas carteiras de presente.
Mas a quem?
Muitas das pessoas a quem desejou mimosear já possuíam carteiras. Outras não usavam semelhante traste, por causa dos gatunos.
Um amigo, a quem em conversa manifestou a intenção de dar-lhe o presente , exclamou:
– Abrenúncio! Passa fora! É traste que nem pintado quero ver.
– Por que?
– Quando usava carteira perdi dois filhos, tive bexigas, diminuíram-me o ordenado e vivi sempre na quebradeira. Foi a minha macaca.
O homem desalentou.
Dias depois viu dois tinteiros sobre a mesa de um colega.
– Ah! que ideia! – murmurou ele – vou propor-lhe a troca de um tinteiro por duas carteiras.
E com muito jeito entabulou conversação, elogiou os tinteiros e perguntou-lhe:
– Usas carteira?
– Não. Tenho em casa meia dúzia delas. Queres uma?
Desta vez enfiou deveras e mandou o outro ao diabo, com um gesto indecoroso.
Por fim libertou-se das importunas remetendo-as pelo correio a dois cavalheiros do seu conhecimento, que os jornais participaram fazer anos.
Mas deixou de ir beber-lhes a cerveja aniversária, com receio do que lhe devolvessem as carteiras.
O Paiz, 11 de outubro de 1891.
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