segunda-feira, 16 de novembro de 2015

João Ribeiro

A Época, 10 de janeiro de 1888.

J. Brito

Uma mulher que vende o marido

Este é o título de uma notícia que me cai debaixo dos olhos. Uma senhora americana, milionária de Boston, Miss Agner Bedell Cuinay, propôs à Miss Mary Chondler, também milionária, passar-lhe o trambolho, que dá pelo nome de Frederick, e não tem vintém.
Quanto a preço? Mil dólares, apenas. Barato. Na nossa moeda quatro contos de réis. Um marido sem cheta por quatro contos é um pau por um olho. Há quem dê muito mais do que isso para... ver-se livro do trambolho que tem. Diz o jornal que a oferta foi aceita, porque Miss Chondler tinha um certo “facataz” pelo Frederick. Pela vice-versa da reciprocidade (e esta!) o Frederick – não obstante casado com Miss Agner Cuinay, ou talvez por isso mesmo – andava assim, “pelo beicinho”, roxo de paixão solapante, “doente” pela Miss Chondler. Resultado: essa “roxura” toda deu em resultado a Sra. Cuinay catrapiscar dos movimentos que eles faziam nos derretimentos do “flirt” e requerer o divórcio.
Muito bem. Não resta dúvida que Miss Cuinay, mesmo americana, teve sua “dorzinha” de... cotovelo, e ainda durante a ação, só para moer, escreveu à rival a seguinte carta:
“Vejo que tendes necessidade de um marido que cuide das vossas propriedades e que se faça de pai do vosso filho. Estou disposta a ‘vender-vos’ meu marido pela soma de mil dólares, dinheiro à vista. Ele é trabalhador e está cansado de sustentar a família. Nunca conseguimos chegar a um acordo em religião e de amigos. Ele ficara contente de viver convosco e ninar vosso filho. Eu prefiro ficar com o meu gato!”
À parte aquela “dorzinha”, a carta tem muito... – como dizer? – muito... americanismo. Preferia o gato – mas, primeiro, passe para cá os mil dólares, e à vista. “Estava cansado de sustentar a família, nunca chegara a um acordo, nem em religião, nem em amizades...” Muito direito tudo. Mas no fim, no sumo, no âmago, o que se vê? Aquela “dorzinha” da preferência de outra, o velho La Fontaine, a raposa, as uvas... O marido estava verde, não prestava, antes o gato – porque gostava doutra.
Ai! como este mundo é parecido, em todos os tempos, em todos os divórcios, mesmo entre as milionárias excêntricas!...

Gazeta de Notícias, 17 de novembro de 1916.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Urbano Duarte

Humorismos


Há quatro dias que diversos jornais, anunciando a recomposição ministerial, noticiaram que o meu distinto amigo Lopes Trovão tinha sido convocado para gerir a pasta de instrução pública.
Todos estavam à espera da resposta do ilustre tribuno, e já constava ter ele preferido as relações exteriores, quando o Trovão diz ontem a um repórter que até aquele momento ainda não fora honrado com convite algum.
Isto faz-me lembrar uma passagem sucedida, no tempo da monarquia, com certo deputado, que ainda hoje o é (suponho eu, porque ando pouco a par da representação nacional).
Dando-se uma crise ministerial, começaram, como sempre, os consta e os boatos a respeito dos novos titulares.
Um jornal de grande circulação disse constar-lhe que seria chamado para a pasta do império o deputado M.
Este, cujo sonho dourado era andar pelas ruas de coupé e ordenanças com chapéu armado e cara de salvador da pátria, foi logo meter-se em casa, depois de ler o consta.
Morava, em companhia de um criado, num chalé situado no morro de Paula Matos.
Não tinha cozinha em casa; pela manhã tomava o seu café, lia os jornais, às 10 ½ ou 11 horas descia, almoçava no hotel, em seguida assistia à sessão, jantava às 6 depois bilontreava pelos teatros e rocios até à hora de voltar para casa, tarde da noite.
Foi para casa com o coração palpitante e esperou.
Ao ouvir ao longe qualquer coisa parecida com tropel de cavalos estremecia todo e o sangue lhe afluía ao coração.
Mas nada de soldados com ofício, nada de carta convidativa.
Nisto passa uma porção de horas, até que o estômago começa a reclamar os seus direitos, fazendo-lhes sentir que também está à espera que seja convidado para seu filet.
Ora em Paula Matos não havia hotel algum, nem mesmo daquelas casas de pasto cujos bifes, para serem engolidos, exigem dez minutos de mastigação e para serem trincados torna-se preciso agarra-los com as duas mãos, cravar os dentes, fazer finca-pé na parede e puxar, esticar até que o bruto estale como borracha.
A fome apertava, mas o homem não se atrevia a sair de casa receoso de que durante a sua ausência chegasse o soldado com a carta de convite.
Neste dia jantou sardinha de lata, pão e vinho zurrapa legítimo, daquele que tem gosto de tinta misturada com água de couve e Parati.
No dia seguinte almoçou sardinha e peixe de lata, com o mesmo vinho.
Estava resolvido a descer para jantar, quando vê que o gabinete ainda não estava organizado e ainda se falava no seu nome para a pasta do império.
Sardinha e mortadela para o jantar!
No dia seguinte, ao almoço, mortadela e sardinha!
Por fim desenganou-se, tomou o chapéu e veio para o hotel do Globo, onde soube que o novo ministério estava prontinho da Silva.
Daí em diante, sempre que corria o boato de crise ministerial, o Sr. M sentia na pituitária e nos nervos palatinos o gosto e o cheiro impertinente de sardinha de Nantes.


O Paiz, 8 de julho de 1891.