quinta-feira, 14 de maio de 2015

Urbano Duarte

Quero, preciso absolutamente ser um homem célebre.
Alguns amigos aconselham-me que me faça mequetrefar com biografia, transcrevendo esta nos a pedido do Jornal.
Outros preferem o Correio da Europa, por ser folha de além-mar e bem impressa. Mas o Correio costuma dar aos seus retratos um ar arrogante, bigode retorcido e cabeça atirada para trás, à moda de quem está desafiando as estrelas; como sou essencialmente modesto, desejo que no meu semblante transpareça esta bela qualidade.
Depois, não gosto daquelas biografias do Correio. Tudo no superlativo, todos os adjetivos em íssimo! O leitor maligno pode supor que aquilo é de encomenda.
Também figurar de calunga no Diário do Comércio é que não me serve. Não há nada que mais comprometa a glória nascente de um homem do que um retrato manqué. Prefiro viver na obscuridade, a ser lançado pelo Diário com cara bexigosa, cancro no queixo, óculos pretos e nariz comido.
Houve quem me afirmasse que um processo infalível para se pôr o nome em vedeta, caminho da celebridade, era apanhar uma descompostura do Sr. Sílvio Romero, crítico pavoroso, que chama de patife e de bigorrilha a quem não concordar com ele em que o neo-criticismo alemão é a modalidade do racionalismo incontroverso, que o animismo de um espiritualismo base do positivismo comtista e miguelimista introduziu no cientificismo do germanismo.
Tomei o conselho.
Mas o crítico não se mexeu.
Atirei-lhe a última das injúrias: chamei-o de Sólvio Rimero e de Rímio Solvério, porém sem resultado. O homem não me deu importância.
Mudei de rumo.
Escrevi uma série de artigos homeopáticos sobre política e salubridade pública, como o Dr. M. M. de Carvalho, mas suponho que ninguém os leu.
Fiz-me sebastianista furioso, vociferava nas esquinas contra a atual ordem das coisas, a ver se concitava a atenção pública. Esperava todos os dias ver chegar à minha casa um soldado de cavalaria, pra-pa-tá pra-pa-tá, com ordem de prisão.
Nada. E até ouvi um histórico dizer-me: você, que sempre foi bom republicano... (!!)
Escrevi um romance, compus diversas polcas e lundus, inventei um novo processo para descascar arroz, fiz um rolo no Eldorado, meti-me a discutir literatura às duas da madrugada em gabinete particular, tudo em pura perda.
Continuei a ser um ilustre desconhecido.
Vou fazer uma última tentativa: escrever uma peça que comece por G, como: Gatunos, Grude e Grilos (1).
Se a pateada não e arrancar da obscuridade, então é porque decididamente não nasci para vintém.

O Paiz, 13 de abril de 1891.





(1) O Grude e Os Grilos foram peças de 1891 que desagradaram em cheio.

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