segunda-feira, 25 de maio de 2015

R. Manso - "Singularidades de Copacabana"

Copacabana é o arrabalde mais atraente do Rio atual. Antigamente o privilégio pertencia à Tijuca, há dez anos atrás cabia a Botafogo, daqui a mais dez anos passará à Vila Isabel ou a Cascadura ou a outro bairro qualquer porque “a ninguém é dado prever o que há de suceder no dia de amanhã” como diz o Eclesiastes. Mas por ora Copacabana tem a palma das excelências e das excentricidades.
Por toda a extensão da capital, de Botafogo a Cascadura, os proprietários são exigentes; os de Copacabana se contentam com uma renda de trinta por cento. Fiéis ao provérbio: “Casa quanto caiba; dinheiro quanto haja”, não constroem prédios largos, o que é muito agradável aos criados, principalmente aos incumbidos do arranjo e varredura. Os dormitórios, porém, tem espaço suficiente para um leito ou mesmo para dous (se forem de boneca).
Para variar as tabuletas dos bondes, o bairro foi submetido a uma divisão tripartida: Leme, Copacabana e Ipanema; mas a rua de Copacabana corta de lado a lado o Leme, a rua Ipanema é no centro de Copacabana e a rua G. Caipora não sei onde é, nem desejo saber.
Em toda a parte chove de cima para baixo, ou de baixo pra cima (no caso dos repuxos e dos gêiseres). Em Copacabana a chuva é horizontal. Vale a pena ver, num dia de temporal, grossas cordas de chuva acompanhando o bonde desde a Igrejinha até o túnel, sem poderem penetrar; ou a ducha permanente que tomam os passageiros, se o carro leva direção oposta. Por isso as casas ali deviam ter o teto ao lado e a fachada por cima, embora os arquitetos teimem em fazer o contrário.
Em outros lugares, geralmente, o dia é turbulento e a noite tranqüila, porque Deus fez a luz para o trabalho e as trevas para o sono ou para o jogo. Há até a frase feita: “silêncio da noite”, que empregamos comumente e que corresponde ao “silêncio noturno” dos poetas. Em Copacabana sucede o inverso. O dia é quieto e à meia-noite começa a ronda dos automóveis com os respectivos estampidos, buzinas e cornetas. O morador bisonho acorda em sobressalto e supõe que se está realizando um ensaio geral para derrubar de novo as muralhas de Jericó.
A palavra “trabalho” desperta a idéia de movimento, rendimento, atividade. Não, porém, em Copacabana. Há ali uma obra que se está fazendo desde a abertura do bairro e que há de continuar por duzentos ou trezentos anos ainda, se não for por quatrocentos. O serviço chama-se oficialmente "calçamento" mas podia se chamar “opodeldoque” ou “metempsicose” ou ter qualquer outro nome, que nenhum deles seria menos próprio do que o dado pela Prefeitura. O calceteiro acomoda três paralelepípedos no carrinho de mão, para transportar ao lado oposto da rua. Se nesse momento se precisar de qualquer cousa na cidade, pode-se mandar uma tartaruga, ou, na falta, um cágado, que o anfíbio vem, dá o recado, volta sem se açodar e encontra o calceteiro, com os paralelepípedos, um metro adiante. É a solução, há tanto tempo procurada, do problema: Realizar a menor quantidade de trabalho no maior tempo possível.
Deus deu ao morador de Copacabana os banhos de mar à porta e ao mesmo tempo a prudência de não usar deles. De quando em quando um temerário desce à praia, vestido de flanela e afronta as ondas. Toma o primeiro banho, mas não toma o segundo. A razão desse fato eu não sei. Só os tubarões e cachalotes é que poderão conhecer.
Copacabana foi feita por Deus, não há dúvida; mas é superintendida pelo diabo. Esse também é um ponto líquido.

Gazeta de Notícias, 27 de março de 1911.

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