quarta-feira, 7 de outubro de 2015

J. Brito

PAPAGAIOS

Há papagaios que falam muito: que falam mesmo demais. Não vai nisso nenhuma alusão aos Srs. deputados. Aqui se trata de papagaios e não de “papagaios”; isto é: papagaios em redondo e não entre aspas. Trata-se de papagaios que são muito mais baratos ao Tesouro; que não ganham cem mil réis por dia; que não dizem desaforos nem cousas pesadas na Câmara...
São os inocentes “louros”. Entre esses – ia eu começando a dizer lá acima – há papagaios que falam muito, e papagaios que falam demais...
Há papagaios poetas e compositores. (Repito que não se trata aqui de deputados, e sim de papagaios de verdade). Há papagaios poetas e papagaios maestros. A atriz Judith Garcez possui um, que lhe mandaram de presente de Maceió (papagaio alagoano, patrício do Sr. Raimundo Miranda), que não só é um poeta inspiradíssimo, compondo quadras rimadas, como um maestro batuta, metendo em música as poesias que compõe.
Consta até – e isto eu digo muito em segredo – que o maestro Felipe Duarte tem apanhado “motivos” nas loas desse poeta sertanejo.
Expliquemos: o papagaio da Sra. Judith sabia, quando veio lá da terra de Raimundo, aquela cousa rococó que todo o papagaio sabe:

“Papagaio real,
pelo Portugal!
Quem passa, meu louro?
É el-rei que vai à caça!
Toca trombeta e caixa!
Toca, que el-rei passa!”

Pois muito bem. Este papagaio sertanejo chegou ao Rio na época carnavalesca, quando os nossos ouvidos estavam sendo martirizados por aquela popular canção do “Pelo telefone”, “Ai a Rolinha! Siô! Siô!”.
O “louro” da terra do sururu chegou e começou a ouvir aquela “martelação” diária nos ouvidos do próximo: não havia gramofone, realejo, moleque de rua, piano familiar, revista de ano (até uma do Raul, no Trianon) que não azucrinasse os ouvidos da humanidade com o “Ai! a Rolinha, Siô! Siô!”.
E o papagaio (“sarado” como todo alagoano que se preza) começou a adaptar o que já sabia à canção da moda no Rio. E é um gosto vê-lo agora, fazendo versos da cabeça dele, compondo músicas da cabeça dele, “combinar” a canção sertaneja que os papagaios aprendem no sertão com a caceteação urbana do “Pelo telefone”.
Ainda há dias cantava ele para um grande público:

“Papagaio real,
Siô Siô!
Pelo Portugal!
Siô Siô!
Quem passa, meu louro?
Siô Siô!
El-rei que vai à caça!
Siô Siô!”

E assim por diante. É um papagaio que faz versos e música; um papagaio que sabe “adaptar”, como muito original escritor teatral do Rio de Janeiro. E – que pena! – não ganha cem mil réis por dia, como o “papagaio” Raimundo, seu honrado patrício.

Gazeta de Notícias, 2 de junho de 1917.

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