segunda-feira, 12 de setembro de 2016

R. Manso

À cata de uma pensão


O Abreu tendo de fechar a casa e enviar a família para fora (ele é adversário da cremação, não só “post-mortem”, como mesmo em vida), anda à procura de uma pensão para si. Encontrando no Paschoal um amigo solteiro e entendido no assunto, pediu-lhe informações. Esse rapaz reside atualmente em pensão.
– Boa? indagou o Abreu.
– Assim, assim. Como as outras.
– A sala de visitas é decente para se receber uma pessoa?
– Não tem sala de visitas.
– Onde se há de receber então uma senhora?
– Na sala de jantar.
– Quartos bons?
– De dois metros quadrados.
– Janela para a rua ou para a área?
– Nem para uma, nem para outra. Não tem janelas.
– Boa cama?
– Sim, conforme o ponto de vista em que você se colocar. Os colchões são excelentes para dormida de uma estatua; mas para corpo de carne, pode haver cousa melhor.
– Por que? Não é boa a crina?
– Não são de crina. São de flechas de foguete.
– Você tem certeza disso?
– Certeza não tenho. É a opinião da maioria dos pensionistas. Outros supõem que os colchões são cheios de varetas velhas de guarda-chuva.
– Mas os travesseiros, ao menos, serão de boa paina...
– Não são de paina; são de areia.
– Peneirada, fina?
– Não; saibro intermeado de calhaus.
– A que horas é a limpeza dos quartos?
– A hora nenhuma.
– Que fazem então os criados?
– Não há criados.
– Quem enche d’água o jarro?
– Não há jarros.
– Onde se lava então o rosto?
– Na cozinha.
– Talvez com o sabão de lavar panelas.
– Não. Na casa não há sabão. Não conhecem sabão. Uma vez deixei um pedaço, por descuido, na janela da sala de jantar. A dona da pensão viu-o, tomou-o com a ponta dos dedos, examinou e atirou à rua dizendo: Quem pôs aqui esta porcaria?
– A casa é sossegada?
– É menos das três da manhã até às oito. Durante esse tempo a dona da pensão martela os tamancos pelos corredores, sem parar.
– Quente?
– Lá isso é.
– Qual a temperatura?
– Não sei. O meu termômetro, que marcava só até 50°, explodiu na parede em princípio de novembro.
– Comida boa?
– O pão é regular; a farinha, a banana também. O resto não sei, porque nunca pude tragar.
– Muitos extraordinários?
– Tudo: café; chá; pão que exceda de meio; laranja, se tiver mais de nove gomos, um tostão por cada gomo de sobressalente; ovos quentes, quatro tostões cada um, se estiverem frescos, estando chocos a mulher faz uma diferença, cobra apenas trezentos réis; éter, para cheirar, 500 réis por cada dez minutos que durar a síncope...
– Durar o que?
– A síncope. Síncope de fome. Usa-se muito lá na pensão. O gás também paga-se à parte, passando aceso das 6 horas da tarde.
– E quando se leva um amigo para jantar, quanto se paga pela refeição?
– Não o sei. Nunca nenhum amigo meu foi lá jantar. Não tenho amigo nenhum idiota.
Mudou-se de assunto e o Abreu saiu pensativo. Até agora está à procura de uma pensão. Quando a encontrar, ele tomará um descanso de dois dias, e depois partirá à cata da fênix ou da mãe d’água.


Gazeta de Notícias, 30 de novembro de 1911.

Nenhum comentário:

Postar um comentário