sábado, 19 de setembro de 2015

J. Brito

Gatunos amáveis

Está publicado que os Srs. Gatunos tomaram a providência de avisar, pelo telefone, os donos das casas que pretendem visitar.
Beneméritos, os Srs. gatunos!... Compreende-se que é um tanto aborrecido ser despertada uma pessoa, alta noite, ao grito de “ladrões em casa!”. É o susto, é o alarma, é o choque que interrompe um sono tranqüilo – e isso de despertar com um susto faz moléstia de coração, segundo a medicina antiga e moderna.
Assim, com o aviso prévio da “visita” logo à noite, os Srs. gatunos prestam um real serviço aos roubados. Dar-se-á que estes preferiam não receber a visita; mas entre ser roubado com um mau despertar, com surpresa, e esperar, calmamente, uma visita amável, se anuncia – francamente a escolha não é difícil: toda a gente prefere esperar a visita, ou com doces e vinhos, um baralho de “pocker”, ou com uma boa pistola, à vontade do freguês. Por isso, se verifica que os Srs. gatunos são gentis e amáveis com essa delicada lembrança do telefone.
Pessoas que falam de cadeira nessa matéria, tanto no capítulo “visitado”, como no capítulo “visitador”, dizem que é sempre uma felicidade a vítima não estar acordada... Se o visitador encontra a sua vítima acordada, ou se ela tem a triste idéia de acordar durante o “serviço”, é uma maçada! O gatuno tem de fazer valer os seus direitos, defender a liberdade, não perder o trabalho, e puxa da faca e... quase sempre acontece o que aconteceu à velha da mala de ouro da rua Goiás.
D parte do cavalheiro que recebe a visita, é sempre melhor estar no mais pesado do seu sono: o gatuno faz o serviço e vai, sem mais estrago. É sabido mesmo o caso de um rapaz nada valente que estava na cama, acordadinho da Silva, quando um rapinante lhe entrou sorrateiramente pelo quarto, pé ante pé... A vítima tomou logo a acertadíssima providência de fingir que estava dormindo – e assistir mudo e quedo à operação do outro que lhe levava tudo. Ao fim do serviço, quando o outro já ia embora, já tinha mesmo saído a porta, ele, o roubado, deitando um olho indagador fora das cobertas, animou-se a dizer, com voz tímida:
– Boa noite, seu gatuno.
Por isso essa idéia do aviso pelo telefone é excelente. Os tímidos tomarão a providência de... não estarem em casa.


Gazeta de Notícias, 8 de março de 1917.

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