segunda-feira, 28 de setembro de 2015

R. Manso

A temperatura de Londres

O mercúrio agora em Paris, se não é invenção do telégrafo, anda pela altitude de 38°. Tive muita satisfação ao ler essa notícia, porque não sou egoísta e não desejo monopolizar as boas temperaturas para o meu país. Eleve-se o termômetro onde quiser em 10° ou 15° que não serei em quem lhe dê para baixo. Sou absolutamente destituído de inveja. Contanto que não venham mexer com os quarenta graus que gozamos à sombra neste delicioso bairro de Copacabana.
Em Londres, também o mercúrio se mantém em boa situação, conforme deduzo de um telegrama de ontem. Diz o despacho que o termômetro Fahrenheit está ali marcando 96,7° à sombra e que é essa “a mais alta temperatura que já foi ali registrada”. Noventa e seis graus e sete décimos Fahrenheit não dão idéia muito clara da emergência e para compreende-la tratei de reduzi-las à gradação centígrada. O resultado foi o seguinte.
Raciocinando que a escala Fahrenheit marca 212° para a água ferver e 32° para a fusão do gelo, tirei a conclusão de que os 100° centígrados correspondem a 189° Fahrenheit. Fiz a conversão de um caso simples de regra de três e obtive para a temperatura atual de Londres 63° centígrados, isto é: o calor do Acre e mais 25° de bonificação. Pareceu-me excessivo.
Para verificar a exatidão do cálculo, recorri ao Larousse, apliquei a fórmula que ele ensina e o resultado foi, felizmente: 6,5°. Isso me tranqüilizou um pouco mas, pensando melhor, considerei que 6,5° é uma temperatura que, para pessoas pouco experientes, pode passar perfeitamente por inverno. Em todo o caso, não produziria queixas e seria exagero chamar-lhe “a temperatura mais alta” que já se sentiu em Londres.
Fui ao Tratado de Física de Ganot, 22ª edição, completamente refundida, estudei o caso com atenção e apliquei a fórmula inculcada pelo autor. Resultado: 36 graus centígrados abaixo de zero.
É próprio dos sábios ter pouca confiança em si mesmo. Desconfiado dos meus cálculos, repeti-os, segundo fórmulas e explicações de Eisenmenger, Lenoir, Almanaque Hachette, Enciclopédia Britânica e Paul de Kock. Cada um desses autores deu resultado diferente. Afinal, por uma inspiração súbita cheguei, segundo me parece, à solução do problema. Eu possuo um termômetro Fahrenheit e outro centígrado (e aí reside, provavelmente, a minha vantagem sobre os autores citados). O método usado foi o de justaposição, ou melhor, de comparação. Uni os dois, de modo que o 0° centígrado coincidisse com o 32° Fahrenheit e verifique que a temperatura de 96,7° Fahrenheit corresponde a 72° centígrados. Isto com aproximação de um décimo, porque o meu termômetro Fahrenheit é cumprido, minucioso, de bom calibre, ao passo que o centígrado que serviu para a comparação é pequeno, quase capilar.
A temperatura que estão agora sofrendo os londrinos é, pois, de 72° centígrados, a um décimo de grau para mais ou para menos. É na verdade forte; mas, que hei de fazer?
Como não quero obrigar ninguém a aceitar a minha solução, em prejuízo das de outros autores, dou uma tabela dos resultados obtidos, segundo as formulas e conselhos de cada um deles:
96,7° da escala Fahrenheit correspondem, em graus da escala centígrada, segundo os seguintes autores:

Gazeta de Notícias, 11 de agosto de 1911.

Nenhum comentário:

Postar um comentário