segunda-feira, 28 de março de 2016

R. Manso

Nomes de ruas

A Municipalidade precisa acabar definitivamente com a confusão que reina na denominação das ruas. É verdade que, com essa medida, o Hospício perderá grande parte de sua clientela de estafetas e cobradores. Devo declarar, com lealdade, que reconheço esse inconveniente. Mas o prejuízo pode ser compensado; é questão de pouco tempo. Basta que se imponha a substituição da buzina de todos os automóveis, pelas trombetas de caça que já foram adotadas em alguns. Se a loucura entra pelo ouvido, como supõem alguns psiquiatras, pode ser que se venha a descobrir outro processo tão eficaz como esse. Melhor, não. (*)
Um sujeito vindo do interior (principalmente se for tolo) não pode encontrar a rua do Ouvidor, nem a Direita, porque a primeira se chama Moreira César, e a segunda 1° de Março. Certo deputado do norte disse-me uma vez, referindo-se à rua do Ouvidor, que é absurdo esse sistema de colocar em uma rua tabuletas com nome diferente. Essa observação é muito razoável. Aliás, quem a fez é um homem muito atilado e inteligente. É o mesmo que descobriu o motivo pelo qual o oceano não transborda apesar de estarem constantemente nele desaguando enormes rios como o Amazonas, o Mississipi, o S. Francisco, e mil outros. (**)
Não há cousa mais efêmera do que o nome de uma rua do Rio. As consequências são perniciosas. O cobrador de alfaiate que foi uma vez receber uma conta na rua Chico Diabo, procurou, segundo lhe indicaram, a rua D. Ana, de Botafogo. Não morava lá o freguês. Mas informaram ao cobrador que havia outra rua D. Ana no Engenho Velho. Também não era a procurada. Remeteram-no a São Cristóvão. De diversas origens então, ele recebeu confirmação de que a rua D. Ana, junto da Progresso de S. Cristóvão, é que era a legítima Chico Diabo. Nessas idas e vindas levou um mês. E afinal teve de desistir da cobrança e ficou prejudicado porque aconteceu ao seu patrão a maior desgraça que pode suceder a um alfaiate. (***)
Mas há uma irregularidade maior e que eu aponto aqui, sem nenhuma intenção de intriga. É a preferência que a prefeitura dá a certos santos em detrimento de outros. Sant’Ana possui oito ou dez ruas, morros e travessas. Santo Antônio também, está bem aquinhoado. No entanto o pobre de Santo Expedito, se não tivesse uma ruazinha de cinco metros em Copacabana, estaria nas mesmas condições de S. Borromeu, S. Nicácio, Santa Fausta e tantos outros escandalosamente lesados.


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(*) Depois de escrever isto, ouvi pessoa competente, a qual me declarou que essa minha opinião é uma asneira. Por isso renuncio a ela e a renego, para que, no futuro, ninguém me possa assacar a calúnia de que eu disse cousa semelhante. Assegurou-me a pessoa a quem consultei que me iludi com a exclamação que se solta frequentemente na Bolsa, ou no Lírico, ou em um recreio de colegiais: “Este barulho me põe doido!”. A loucura não é nunca produzida pelo ruído, mas muitas vezes pelo “treponema pallidum”, o qual (segundo a autoridade que velho citando) nunca, ou raramente, entra pelo ouvido. Se assim é, o micróbio dá mostra de pouco senso. É o conceito que merece um beligerante que para invadir terra inimiga, deixa uma enseada profunda e abrigada (como o ouvido) para escalar talvez um... promontório. Acato muito a opinião dos médicos, quando não vai de encontro aos fatos. Mas o barulho já tem reputação feita de ser cousa perigosa. Principalmente barulho de trombetas. E, por ventura, o juízo dos cariocas é mais sólido que as muralhas de Jericó?
(**) O oceano não transborda, segundo esse deputado, porque está cheio de esponjas.
(***) A maior desgraça que pode acontecer a um alfaiate é a morte do devedor, sem lhe ter pago. É a essa que me refiro. Porque há outras. Por exemplo: um alfaiate segurar o seu estabelecimento contra fogo e, no dia seguinte, vir estabelecer-se no pavimento térreo do mesmo prédio uma estação de – bombeiros.


Gazeta de Notícias, 6 de outubro de 1911.

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