terça-feira, 18 de agosto de 2015

J. Brito

 José Ângelo Vieira de Brito ficou mais conhecido com o pseudônimo de J. Brito.

Escreveu crônicas humorísticas com o pseudônimo de Antônio em A Notícia e na Gazeta de Notícias.
 
PARTIDA


Américo, muito amigo de pregar “partidas”, sabendo que o Vieira estava sem vintém, chegou-se-lhe misteriosamente ao pé do ouvido e disse baixo como numa revelação:
– Sabes? o Manduca está cheio de dinheiro!
Antes disso já ele havia sondado o “espírito financeiro” do Manduca, e sabia que ele estava... como o Vieira: “limpo”. Pregara-lhe a mesma partida “partida”, soprando-lhe ao ouvido:
– Sabes?... o Vieira está com uma bruta bolada!
Feito isso, preparado o terreno da intriga, o pilhérico Américo fechou-se em copas. À pequena distância, começou a observar a atitude dos dous: eram dous “prontos” entre si, cada um deles julgando que o outro estava “cheio”. Primeiro o Manduca teve para Vieira um sorriso inexpressivo, sorriso de pronto para homem que tem dinheiro; a esse sorriso o Vieira correspondeu com outro, mais afetuoso; e começou entre os dous uma espécie de namoro correspondido, com olhares significativos, sorrisinhos, concordâncias, etc., etc. Por fim, os dous falaram-se, pois se davam. O Vieira começou:
– Ah! seu Manduca, deve ser uma cousa horrível quando um camarada não tem dinheiro...
– Oh! sim, deve ser... Calculo... Deve ser horrível. Eu felizmente...
– Também eu. Só sei disso por ouvir dizer.
– Graças a Deus, sempre consigo...
– Eu também. Mas deve ser horrível.
O Vieira teve assim a confirmação de que o Manduca tinha “algum”. Convidou-o para tomar “alguma cousa”. Beberam, olharam-se, sorriram-se... Cada um deles com uma doida vontade de dar o bote no outro. Na hora de pagar, o Manduca “coçou-se”; igualmente “coçou-se” o Vieira; das duas coçadelas não saiu nada. Ambos olharam o espaço azul; passou-se um longo minuto. O Vieira coçou-se de novo. Ambos estavam com muita coragem, porque cada um sabia que o outro “garantia”. Por fim o Manduca falou:
– Tens miúdos aí?
– Não.
– É porque eu não tenho trocado...
– Também eu trocado não tenho...
– Então vamos trocar.
– Vamos.
– Troca lá, porque eu não tenho para trocar.
– Também eu, para trocar não tenho...
– Mas você não está cheio de dinheiro?
– Deixa de pilhéria. Você é que está.

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A discussão não acabou porque o Américo rebentou na gargalhada e pagou a despesa.


Gazeta de Notícias, 21 de janeiro de 1917.

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